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Mais um ano se passou sem que os curitibanos tenham um espaço específico para shows na cidade. A capital paranaense é ignorada pelos grandes artistas, sendo que antes era uma passagem obrigatória, por um simples fator: a magia da Pedreira Paulo Leminski.
Não vá dizer que não é um barato ter um show em um lugar rodeado de paredões, com uma área imensa, onde o objetivo principal é curtir a sua banda favorita. Pois é, este é o sentimento dos curitibanos que eram loucos pelos eventos realizados naquele espaço.
Evanescence e Black Eye Pies foram uma das últimas grandes atrações internacionais que passaram por lá. Ou vamos mais além, e recordando a passagem de Pear Jam , em 2005, que causou um verdadeiro reboliço na região – trânsito, pessoas fechando ruas inteiras, a agitação cultural tomando conta do bairro.
No último sábado, dia em que completava três anos do fechamento do local, o movimento “A Pedreira é Nossa” realizou um ato de protesto, “comemorando” o aniversário, com direito a bolo com velinhas. A interdição do local para shows é por causa de uma liminar aos moradores da região, que se queixavam da bagunça e do barulho em dias de eventos musicais.
Mas as notícias não são tão ruins. Igor Cordeiro, um dos participantes do movimento, disse que a ação está em processo final e que até o segundo semestre de 2011, o “santuário dos shows” de Curitiba poderá ser reaberto.
Aí teremos a chance de matar a saudade daqueles bons tempos, em que passaram por lá Paul McCartney, David Bowie, Ramones, AC/DC, entre outras lendas da música.

Pedreira lotada para o show “30 em 300″, com Titãs, Barão Vermelho e Os Paralamas do Sucesso, em 1993.


 

Tudo começou quando Getúlio Guerra era criança e fugia da missa para escalar uma cruz que havia do lado de fora. Depois, na adolescência, quando foi a um centro espírita e um exu o disse que era “corpo fechado”, começou a ler sobre budismo. Porém, em 2004, após uma leitura de mapa astral reencarnacionista o chacoalhar, tudo mudou.
Getúlio ainda lembra o que estava escrito: “Você tem que sair de casa, usar essa tua capacidade de liderança pra ajudar os outros. Na vida passada você foi muito egoísta. É hora de transmutar isso fazendo algo social e com elementos que sejam essenciais pra você – no caso, arte e ciência. Senão, no fim da linha você vai ficar de cara consigo mesmo – de novo”.
A partir desse momento o produtor teve a ideia de realizar shows de bandas locais nos próprios bairros. O projeto, que ganhou o nome de PrasBandas, desde novembro de 2005 já passou por cinco bairros de Curitiba como: Sítio Cercado, Xaxim, Boqueirão, Vila Hauer, Uberaba e Bairro Alto.
Mas Guerra quer mais: “Meu sonho é abranger todas as áreas com menor poder aquisitivo, ir pra região metropolitana, e mais tarde, avançar para o interior do estado. Sonho, sonho, sonho”.
O PrasBandas não só abre espaço para bandas como também para artistas que queiram apresentar em praça pública suas criações: canções, poesias, apresentações de dança, circo, teatro etc. Guerra ainda lembra do show na praça Renato Russo, no Uberaba. “Foi lindo, mães com os filhos no colo, senhores de idade com suas bicicletas Barra Forte, poetas e intelectuais, escritores que são analfabetos”, conta.

 

Anacrônica no palco do Pras Bandas 5, realizado no Uberaba (Crédito: Edu Baggio)

A imagem que tinha em mente para um evento desses em praça pública era a de um catador de papel, chegando com seu carrinho e esquecendo-o em meio a tanta gente simples absorvida pelas fotos, poesias e canções. Mas algo que não esperava aconteceu. Naquele dia, apareceu “Seu” João, um poeta analfabeto. Como não sabe ler e nem escrever sempre pede para que alguém transcreva o que fala. Com sua pastinha de poesias, chegou, pediu espaço e Edinho, amigo do produtor, subiu com ele e recitou suas criações.
“Foi um presente entre aquelas 600 pessoas que passaram pela frente do palco naquele domingo. Eu me emocionei, porque a alma é essa: fomentar a arte que cada um possa ter em si, descentralizar de onde é cartão postal da cidade e dar gás à diversidade, ao respeito entre as diferenças”, explica Guerra.
Para participar dos shows, basta ser um morador do bairro e se inscrever. Antes havia uma taxa simbólica de R$ 10,00, agora a inscrição é gratuita. Antes as bandas tocavam de graça, agora têm uma ajuda de custo. Em cada edição há uma média de 20 grupos tocando, 10 minutos cada.
Porém, o produtor avisa que só bandas com letras próprias podem participar. “Cover ninguém merece. Não precisamos de mais artistas falsos nesse mundo plástico. Sabemos que é um parto criar algo pessoal, uma responsabilidade, um filho teu no mundo do outro. Se é talentoso ou não, a seleção é natural e o tempo dirá. Fingir que é outra pessoa é suicídio, a arma dos fracos”, explica.
Com o objetivo de arrecadar mais fundos para o PrasBandas, ele inscreveu o projeto em um edital específico para produção de festivais independentes da Fundação Cultural de Curitiba, via Fundo Municipal da Cultura, do qual foi o vencedor.
“A Fundação Cultural sacou que queremos fomentar o potencial criativo e libertário em comunidades periféricas que comumente saem banalizadas nos jornais quando rolam confusões. Comunidades que moram estrategicamente afastadas dos pontos turísticos que geram renda e fama pra dita Curitiba de Primeiro Mundo”, conta Guerra.
Mas para receber o incentivo foi necessária uma contrapartida social, proporcionando à comunidade cursos e palestras. O produtor explica que isso poderia ser feito em um dia, porém não teria sentido. Por isso, resolveu realizar cursos com uma duração maior. Já o local escolhido é a periferia, onde teoricamente, existem menos informação e recursos financeiros.

Alunos têm a oportunidade de aprender a tocar guitarra ou bateria e participar de um show nas edições do Pras Bandas

Aliás, o local para a realização dos cursos já estava nos planos do produtor há dois anos e meio. Um dos principais motivos para essa escolha é nome da praça: Renato Russo, do qual é fã. Outro motivo é a localização da Escola Municipal Professora Maria Piovezan, no bairro Uberaba. “Não consigo imaginar fazer esse projeto no Champagnat, pois a realidade deles é diferente, e aqui, a comunidade é carente de cultura”, explica Guerra.
A escola é uma referência na região, pois além das oficinas do PrasBandas, lá funcionam outros cursos e oportunidades de lazer. Mesmo em um sábado nublado e com ar de chuvoso, os corredores estão cheios de crianças, muitas delas jogando tênis de mesa.
Enquanto isso, na sala 406 acontece a oficina de fotografia, com Douglas Fróis, antigo amigo de Getulio Guerra. Aliás, esse é um dos requisitos para lecionar: ser amigo, e atuar na área. “Quero uma equipe de amigos, não só de profissionais”, diz.
O curso, como todos os outros, dura dois meses e meio e tem vaga para 20 alunos, na maioria composta por adolescentes da região. Fróis lembra que não é necessário ter câmera fotográfica.
O fotógrafo dá aulas desde março de 2009, mas antes já fotografava os shows do PrasBandas. Ele diz se surpreender com a qualidade do material de muitos alunos. Mas logo avisa: “A intenção não é formar fotógrafos profissionais, e sim, ensinar os conceitos, descobrir a arte. Não incentivo muito, pois a vida de fotógrafo não é fácil”.
No dia, a oficina contava com 12 alunos, dentre eles três novatas. Uma delas é a estudante Camila Cardoso, 15 anos. Ela ficou sabendo o que acontecia Escola Municipal Professora Maria Piovezan por conta de um papelzinho distribuído na região. “Gostaria muito de ser fotógrafa, por isso estou aqui, mas a minha mãe não quer que eu siga essa profissão por conta da dificuldade de encontrar um emprego e pelo salário baixo”, relata.

A oficina de fotografia é uma das preferidas. Os meninos e meninas ficam encantados com as fotografias e suas técnicas.

Outra aluna é a professora Denise Buzzo Rodrigues. “Participo das aulas de fotografia desde a edição anterior, em março, e estou adorando essa oportunidade”, explica.
Porém, o aluno que mais chama a atenção pelo seu jeito falante e animado é o estudante Cristiano Souza Dias, assim como Denise, ele também é veterano na oficina. Com apenas 15 anos, Cris, como é chamado pelo pessoal, já fez vários cursos como arte, artesanato, inglês por correspondência e outros que ele já perdeu as contas. “Antes ficava em casa parado, assistindo televisão, mas eu não gosto de ficar parado”, diz.
O interesse pela oficina e por fotografia é visível em seus olhos e em todas as suas perguntas e respostas durante as duas horas de aula. E, ao contrário de alguns, adora ir à escola mesmo em dia de folga. “Muitos não gostam de ir para a escola no final de semana, mas é diferente, é para fazer algo novo”, conta.
Após a aula, o fotógrafo vai até o corredor do colégio e mostra, orgulhoso, a exposição fotográfica dos alunos da turma anterior. “O mais legal de tudo é a troca de olhares”, acrescenta.
Além do curso de fotografia, o PrasBandas também oferece aulas de música e de astrologia. Esta última irá ser substituída, pois João Acuio está de mudança para São Paulo.
O produtor conta que a oficina de jornalismo surgiu de uma matéria. Após acompanhar o projeto durante um sábado, o repórter da Gazeta do Povo, Cristiano Castilho, se propôs a ministrar as aulas.
Já a comunidade agradece. Para a professora Denise, a iniciativa é diferente, pois é acessível para todos e algo que não existe naquela região. “A cultura é para toda comunidade, não deve ficar restrita nas áreas centralizadas”, complementa.
Guerra diz que as pessoas se surpreendem por não ter que pagar nada. E ele responde a elas que de graça é um modo de dizer, porque já pagaram por isso através de impostos que a prefeitura cobra. “E o principal motivo de estarmos ali é promover esse acesso que a falta de grana bloqueia. Dar a quem tem menos é estimular uma troca de valores que não tem preço”, acrescenta.
Esse desejo de proporcionar oportunidades vem de infância. Como sua família não tinha condições financeiras, ele não teve acesso a muita coisa. Contudo, a realidade mudou quando nos finais de semana passou a brincar na casa dos seus primos e primas. Getúlio morava no Xaxim, eles no Guabirotuba, e tinham uma vida mais confortável.
A partir dessa realidade extra, a percepção de sua vida no mundo mudou: ela não já não era apenas as bolinhas de gude, pipas e esconde-esconde. “Esse link da minha infância tem plugado muito as inspirações do PrasBandas que é abrir janelas na alma de quem talvez possa ter uma. Com comprometimento caro, sem assistencialismo barato”, conta Guerra.
Desde o primeiro rascunho, o produtor sempre tentou pensar no que uma comunidade da periferia precisa, que carências sofre, qual a real necessidade dela. “A população compreende que estamos montando tudo aquilo pra eles. É uma energia forte, uma troca muito boa. Eles sentem que não é macumba para turista, não é ação político-partidária, não é carimbo pra passaporte de ninguém”, ressalta Guerra.
Mas ele sonha mais alto. Além de planejar expandir as oficinas para outros bairros da periferia, em casas pequenas de 60 metros quadrados, pretende formar uma ONG. “Queremos complicar cada vez mais. Já que a arte pode salvar a vida de uma pessoa, que seja a manifestação que ele mesmo produz a forma do colete salva-vidas”, conclui.